quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Cronicas de Nashtar - Quarto dos murmúrios

Ele saiu nu de debaixo das cobertas, seu corpo era mais singular que o meu. Com os seus 30 anos o arquiteto mais conceituado de Almíscar (e também o único, da cidade ainda de pescadores), possuía um corpo sem marcas, quase que intocável comparado com os marujos marcados pelo mar que entravam e saiam de mim. Era um homem inteligente o arquiteto... Mas também vaidoso, não gostava das outras mulheres da vida, porque não eram espertas o suficiente para entender o quanto escuta-lo e alimentar sua vaidade poderia lhes ser benéfico.


Eu, no entanto, não era tão ignorante, minhas outras encarnações já haviam me ensinado o quanto uma mulher tem poder, quando sabe as fraquezas de um homem, e sacia os seus desejos.

-Soube que você está projetando a nova prisão, parece ser interessante...- disse caminhando nua em sua direção, ele agora colocava seu suspensório, sabia que ele achava excitante quando pensava que  lhe deseja, que gostava dele, que não fazia apenas pelo dinheiro. Por sua vaidade queria acreditar que era diferente de todos os outros.

-E é, infelizmente é um projeto que irá demorar mais do que pensei... E o governador insiste que eu acompanhe o projeto de perto, o que significa ficar preso num escritório no meio daquela bagunça... acho que não nos veremos mais com tanta frequência.

- Sabe, sempre quis transar numa cela... As grades me excitam. - disse em seu ouvido, dei lhe uma lambida lenta no pescoço.

- Você é uma mulher de fetiches estranhos... - disse ele com um sorriso sacana, agora abotoava a camisa.

- Você poderia fazer uma passagem secreta para uma das celas, depois de construídas não existirá muito movimento nelas, e será interessante ter uma rota de fuga caso exista uma revolta contra o governo, o governador pode gostar desse seu projetinho secreto... E não vai precisar deixar de ver sua puta favorita.

Há algum tempo havia resolvido me aproveitar de certas oportunidades em minhas reencarnações, e nunca se sabe quando precisa-se de algo como uma saída secreta. Minhas pernas doendo valeram a pena considerando que a passagem secreta continuava intacta, e que minhas pernas abertas salvariam a vida do amor das minhas vidas.



Caro leitor, nunca subestime o poder de uma prostituta.


Não foi difícil achar a passagem secreta, ela era marcada pela estatua da governador da época, girei a espada que era um entalhe da placa e nas costas da estatua houve um som um tanto abafado e surgiram os degraus. Acendi a tocha.

Já era madrugada os guardas que patrulhavam cegos pelo sono e pela neblina da costa marítima não veriam muita coisa, o arquiteto era inteligente, a passagem não era tão próxima a ponto de uma aproximação ser vista como perigo. Entrei no túnel o cheiro abafado de terra impregnou meu nariz, lembrei de quantas tardes havia feito o mesmo percurso, aquele dinheiro havia me ajudado muito depois da morte de Heitor com a peste negra.

- Dias tristes...- pensei em voz alta.

As raízes pendiam entre as pedras do teto, como retalhos irregulares, as teias de aranha eram ocasionais, mas não incomodas. com vinte minutos de caminhada cheguei ao fim do túnel, puxei a alavanca e logo o estampido surgiu enquanto as engrenagens e pedras se movimentavam. A poeira encheu o túnel. O estampido havia feito mais barulho do que o imaginado, provavelmente devido aos anos de desuso. me xinguei mentalmente.

Entrei na cela e tirei a roupa exceto pelas botas de cano médio.

- Mas o que temos aqui? Como você chegou aqui? - disse um guarda, ele me encarava com uma curiosidade excitada.

- Você realmente se importa com isso? Não quer aproveitar a oportunidade?- perguntei sorrindo maliciosamente.

Ele abriu a porta e sem demora entrou na cela, suas mãos tateando com pressa e descuido a calça, aproximei-me dele, ergui uma de minhas pernas e com ela lhe abracei a cintura. ele arfou de prazer antes de desmaiar com a pancada na cabeça que lhe dei com o revolver que estava dentro da bota.

- Homens realmente não pensam quando se trata de sexo, não importa a época.- disse para mim mesma enquanto tirava sua roupa vestia-me, lhe amordacei e amarrei.


Os corredores iluminados por archotes tinham um tom bruxuleante, o amarelo alaranjado lembrava-me o inferno, e aquilo deveria assombrar alguns, mas não a mim. Geralmente o inferno é frio, penso eu. Como um prisioneiro de crime tão pessoal não foi difícil achar Heitor, o Governador era um homem vingativo, e ele só poderia estar no pior lugar dessa prisão, o quarto dos murmúrios, o canto mais escuro e fétido, o lugar onde se ainda houvesse esperança ela seria arruinada pelos sons das correntes de ar que pareciam murmurar seus próprios pesadelos, ou  como acreditava o povo, os murmúrios  de todos os prisioneiros que morreram ali, assombrados por seus próprios fantasmas e pelas dores inimagináveis da tortura.


- Quem está aí?!- disse uma voz masculina e firme que vinha da cela, ao ouvir a chave girar.

Ele está bem, pensei. já escutei tantas histórias de homens que enlouqueceram com bem menos tempo nesta cela.

- Isso, é seu resgate.- disse ao abrir a porta, o corredor claro iluminando meu rosto. Após o breve momento de cegueira. Ele não esperava por isso, e  seu rosto sujo e perdido no escuro encarou-me com descrença, como se me reconhecesse e tenta-se a muito custo lembrar de onde.

- Porque você veio me salvar?- disse mas parecia incrédulo como se acredita-se ver apenas mais um dos fantasmas com um novo jogo para atormenta-lo.

- Porque hoje você não apareceu na fonte, e hoje eu finalmente cheguei. O resto não importa agora. Vamos.- senti que ele finalmente havia me reconhecido, e encarava-me com descrença.

Não precisava de nada mais do que aquele primeiro olhar para reconhece-lo minha alma era capaz de reconhecer a sua sob qualquer disfarce a tanto tempo, que não poderia contar. Talvez sempre tivesse sido assim.

-Os guardas estão fazendo rondas de meia em meia hora. - ele respondeu, pratico como sempre.

- Quanto tempo foi a ultima ronda?

- 15 minutos. - isso dificultaria um pouco as coisas, teríamos que ter cuidado ao fugir da cidade.



E antes que eu possa perder a razão e não consiga contar como tudo aconteceu, é melhor nós nos despedirmos.

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